segunda-feira, 22 de junho de 2009

HUMILDADE E PECADO

Leitura: "Pecadores, dos quais eu sou o principal" (1Ti¬móteo 1.15).

A humildade é frequentemente identificada com penitência e contrição. Como consequência, parece não haver outra maneira de cultivar a humildade a não ser mantendo a alma ocupada com seu pecado. Aprendemos, penso, que a humildade é algo diferente e além disso. Vimos no ensinamento de nosso Senhor Jesus e das epístolas do Novo Tes¬tamento quantas vezes a virtude é mostrada sem ne¬nhuma referência ao pecado. Na própria natureza das coisas, na relação completa da criatura com o Criador, na vida de Jesus como Ele a viveu e a compartilha conosco, a humildade é a própria essência da santi¬dade como o é da bênção. Isso é a destituição do ego pela entronização de Deus. Onde Deus é tudo, o ego é nada.
Mas, apesar de esse ser o aspecto da verdade que senti ser especialmente necessário destacar, pre¬ciso dizer, de maneira rápida, o que a profundeza e intensidade do pecado do homem e da graça de Deus dão à humildade dos santos. Temos apenas de olhar para um homem como o apóstolo Paulo para ver como, através de sua vida como um homem remido e santo, ele vive inextinguivelmente a profunda percepção de ter sido um pecador. Conhecemos as passagens nas quais ele se refere à sua vida como um perseguidor e blasfemo. "Eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. (...) Trabalhei muito mais do que to¬dos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus comi¬go." (1 Co 15.9, 10). "A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios..." (Ef 3.8). "A mim que noutro tempo era blasfemo e perseguidor e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na igno¬rância, na incredulidade. (...) Cristo Jesus veio ao mun¬do para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal." (1 Tm 1.13, 15). A graça de Deus o salvou; Deus nunca mais se lembrou do seu pecado; mas Paulo nunca, nunca poderia esquecer quão terrivelmente havia pecado. Quanto mais ele se regozijava na salva¬ção de Deus, e mais sua experiência da graça de Deus o preenchia com alegria indizível, mais clara era sua percepção de que ele era um pecador salvo, e de que a salvação não tinha significado ou doçura, exceto pelo fato de ele ser um pecador fazer com que isso lhe fosse precioso e real. Nunca, nem por um mo¬mento, ele poderia esquecer que foi um pecador que Deus tomou nos braços e coroou com Seu amor.
Os textos que acabamos de citar são frequente¬mente citados como a confissão de Paulo de seu diá¬rio pecar. Você tem apenas de lê-los atentamente em seu contexto, para ver quão pouca relação eles têm com isso. Esses versículos têm um significado am¬plamente profundo, pois se referem ao que dura pela eternidade e dará seu profundo e suave som de as¬sombro e adoração à humildade com a qual o remido adora diante do trono, como aquele que foi lavado de seus pecados no sangue do Cordeiro. Nunca, nunca, nem mesmo na glória, eles podem ser outra coisa a não ser pecadores redimidos; nunca, nem por um momento nessa vida, o filho de Deus pode viver na luz plena de Seu amor a não ser quando sente que o pecado, do qual foi salvo, é seu único direito e título para tudo que a graça prometeu fazer. A humildade com a qual primeiro ele apareceu como um pecador diante de Deus adquire um novo significado quando ele aprende como ela o tornou uma criatura. E depois, continuamente, a humildade, na qual ele nasceu como uma criatura, tem sua mais profunda, mais rica forma de adoração, na memória de que deve ser um monumento do maravilhoso amor redentor de Deus.
A verdadeira importância do que essas expres¬sões de Paulo nos ensinam vêm-nos todas mais fortes quando reparamos o notável fato de que, através de toda a sua trajetória cristã, nunca achamos, da ponta de sua pena, nem mesmo naquelas epístolas em que temos suas mais intensas confissões pessoais, qual¬quer coisa como confissão de pecado. Em nenhum lugar há menção de fraqueza ou defeito, em nenhum lugar alguma sugestão aos seus leitores de que ele tenha falhado em obrigação ou tenha pecado contra a lei do perfeito amor. Ao contrário, há passagens, não poucas, nas quais ele vindica a si mesmo em lingua-gem que nada significa se não apela para uma vida sem falta diante de Deus e dos homens. "Vós e Deus sois testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente procedemos em relação a vós outros que credes." (1 Ts 2.10). "Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que com santidade e sinceridade de Deus, não com sabe¬doria humana, mas na graça divina, temos vivido no mundo, e mais especialmente para convosco." (2 Co 1.12). Isso não é um ideal ou uma inspiração; é um apelo para aquilo que sua verdadeira vida foi. Por mais que possamos considerar essa falta de confissão de pecado, todos admitirão que isso tem de apontar para uma vida no poder do Espírito Santo, tanto que rara¬mente é percebida ou esperada em nossos dias.
O ponto que desejo enfatizar é este: que o pró¬prio fato da carência de tal confissão somente dá mais força para a verdade de que não é no pecar diário que o segredo da humildade profunda será encontrado, mas na habitual posição, nunca, nem por um momen¬to, pode ser esquecida, a qual tão-somente a mais abundante graça manterá mais distintamente vivo e ativo o fato de que nosso único lugar, o único lugar de bênção, nossa única posição de habitar diante de Deus, tem de ser aquela daqueles cuja maior alegria é confessar que são pecadores salvos pela graça.
Com a profunda recordação de Paulo de haver pecado tão terrivelmente no passado, antes de a gra¬ça encontrá-lo, e a consciência de ser guardado de pecar presentemente, estava continuamente ligada à lembrança permanente do poder oculto do pecado sempre pronto para aparecer, e só afastado pela pre¬sença e poder do Cristo que habita interiormente. "Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum": essas palavras de Romanos 7 descrevem a carne como ela será para sempre. A gloriosa liberta¬ção de Romanos 8.2 — "A Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus me livrou da lei do pecado", a qual me havia capturado — não é nem a aniquilação nem a santificação da carne, mas uma vitória contínua dada pelo Espírito quando Ele mortifica os feitos do cor¬po. Como a saúde expele a doença, e a luz traga as trevas e a vida vence a morte, o habitar interior de Cristo através do Espírito é a saúde e luz e vida da alma. Mas com isso, a convicção da possibilidade de abandono e perigo sempre tempera a fé de alguém na ação passageira ou contínua do Espírito Santo, dan-do-lhe aquele senso simples de dependência que faz a fé superior e alegra as criaturas com uma humilda¬de que vive apenas pela graça de Deus.
Todas as três passagens anteriormente citadas mostram que foi a maravilhosa graça dada a Paulo, e da qual ele sentia necessidade a todo momento, que o humilhava tão profundamente. A graça de Deus que estava nele e o capacitava a laborar mais abundante¬mente do que todos os outros, a graça para pregar aos idólatras as insondáveis riquezas de Cristo, a graça que sobrepujava abundante com a fé e o amor que estão em Cristo Jesus: isso era essa graça da qual é a própria natureza e glória ser para pecadores, a qual mantinha tão intensamente viva a consciência de ele ter pecado uma vez e de ser sujeito a pecar. "Onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5.20). Isso revela quanto a própria essência da graça é tratar com o pe¬cado e afastá-lo, e como ela deve sempre ser: quanto mais abundante a experiência de graça, mais intensa consciência de ser um pecador. Não é o pecado, mas é a graça de Deus mostrando a um homem e sempre o lembrando de que foi pecador que irá mantê-lo ver¬dadeiramente humilde. Não é o pecado, mas é a graça que me fará, de fato, conhecer-me como um pecador, e irá fazer do lugar da mais profunda auto-humilhação do pecador o lugar que nunca deixarei.
Temo que haja muitos que, pelas fortes expres¬sões de autocondenação e auto-acusação, têm busca¬do humilhar-se, e têm de confessar, com pesar, que um espírito humilde — um "coração de humildade", que é acompanhado de bondade e compaixão, de man-sidão e tolerância - ainda está tão longe como sempre esteve. Estar ocupado com o ego, mesmo na mais profunda auto-aversão, não pode nunca nos livrar do ego. E a revelação de Deus, não apenas pela lei con¬denando o pecado, mas pela Sua graça libertando dele, que nos fará humildes. A lei pode quebrar o coração com temor, mas é apenas a graça que trabalha aquela doce humildade que se torna uma alegria para a alma como sua segunda natureza. Foi a revelação de Deus em Sua santidade, aproximando-se para fazer a Si mesmo conhecido em Sua graça, que fez Abraão e Jacó, Jó e Isaías, curvarem-se tão baixo. É a alma na qual Deus, o Criador, como o Tudo da criatura no nada-ser desta, Deus, o Redentor, em Sua graça, como o Tudo do pecador em sua pecaminosidade, é espera¬do e confiado e adorado, que irá encontrar a si mes¬mo tão preenchido com Sua presença, que não haverá lugar para o ego. Somente, então, a promessa pode¬rá ser cumprida: "A altivez do homem será rebaixada, e só o Senhor será exaltado naquele dia" (Is 2.11).
Isso é o pecador habitando na plena luz do amor redentor e santo de Deus, na experiência daquele habi¬tar interior pleno do amor divino que vem através de Cristo e do Espírito Santo, que não pode ser nada a não ser humilde. Não estar ocupado com o pecado, mas estar ocupado com Deus, traz-nos libertação do ego.

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